Fotografia: Isabella Luiz

Pagode Russo

celina
14 min readFeb 6, 2024

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A conversa da temporada corria ao redor do último e breve relacionamento de Tito. Contava que sentia que a Russa sempre pareceu um pouco incomodada com o seu jeito “brasileiro” de ser. Em sua última viagem, a equipe foi designada para realizar treinamento e implantação de um sistema num hospital na Inglaterra, no qual trabalhava como enfermeira. Ficou algumas semanas de plantão no setor da “Russa”, sim, ela era uma mulher nascida na Rússia. Certo dia, depois de muitos olhares e tensão sexual compartilhados na sala de descanso, Tito resolveu criar coragem e chamá-la para sair. Tudo estava indo muito bem, obrigada . Como em todo início de relacionamento, estavam vivendo aquela paixonite gostosa.

Almoçavam juntos nos dias em que estavam no hospital. Saiam para se divertir nas folgas e tinham definido esses dias para transar e assim não atrapalhar o descanso de ninguém. Quatro meses depois, quando parte da implantação estava concluída, Tito foi informado de que em breve deveria voltar ao Brasil para seguir com uma demanda de urgência. Antes da viagem de volta, estavam planejando como seria o tempo que estariam longe um do outro. Promessas foram trocadas. Ele iria voltar, ela iria esperar. Tinha umas férias vencendo e depois disso pensaria em algo. Acordaram manter a relação à distância por mensagem e chamada de vídeo. E foi aí que começou o “problema”.

Depois de algumas semanas de sua chegada em terras brasileiras, a Russa parou de responder às mensagens de “Bom dia, boa tarde, boa noite” que ele mandava. Quando perguntou se algo estava errado, ela apenas disse que achava esse tipo de mensagem desnecessária. Se o diálogo escrito não estava lá essas coisas, em vídeo havia um silêncio um pouco mais constrangedor. Ela não parecia muito interessada em puxar assunto. O contato foi diminuindo e as mensagens de “Bom dia, meu amor & cia” cessaram de vez. Foi aí que percebeu, realmente, para ela, não fazia diferença alguma. Mas, segundo Tito, a grande cereja do bolo foi quando a Russa disse por vídeo chamada que não gostaria de perder a melhor parte da juventude esperando por alguém. Ela não tinha tempo a perder em algo que não estava parecendo que iria funcionar.

Acredita nisso? Já tinha passagem comprada e tudo, queria fazer surpresa. Esperei ela discorrer mais alguma coisa, mas foi isso. Não consegui dizer nada e a chamada foi encerrada. Tchau e benção.

— E aí?

— Fiquei triste no primeiro dia, no segundo miserável e no terceiro furioso. Quer dizer, eu entendo a frustração, mas não era como se não fosse voltar. Também trabalho, saca? Eu estava realmente disposto a tentar fazer acontecer. No quarto dia, pensei que ela realmente tinha razão. Quis me despedir de forma decente. Mandei uma mensagem, agendamos uma chamada no Skype. Concordei sobre as nossas diferenças, disse que estava certa e que não gostaria de prendê-la. Ela parecia me fuzilar com o olhar, mas não retrucou nada. Me despedi e agradeci com sinceridade todo o tempo que passamos juntos. Três semanas depois, me mandou uma mensagem falando que talvez tenha se equivocado na forma como quis se expressar e que gostaria de retomar as coisas de onde estávamos. Mas já era tarde, inclusive o reembolso da passagem estava na conta. Comecei a pensar que, naquele momento, talvez nem gostasse dela tanto assim. Respondi que ainda poderíamos ser amigos, mas até então não me respondeu. É isso, acho que ela nem gostava de mim tanto assim também.

— E se esse foi o tempo que ela teve para processar a falta que sentia de tu?

— Fala sério, Bella, é como diz o ditado “a gente só dá valor quando perde”. Não fode. É assim com a maioria da população mundial. Foi assim com nós dois.

Tito, vez ou outra, fazia isso, trazia a questão nós logo depois de falar sobre algum finado relacionamento. De alguma forma, esse tipo de conversa revolvia a terra e trazia à superfície um dedo ou dois de prosa.

— No nosso caso, quando realmente terminamos, eu intuí que mais cedo do que mais tarde iríamos perceber que a nossa relação fluiria naturalmente, mesmo em meio a esses tão temíveis hiatos. É simples.

Você está me dizendo que os vácuos mantêm nossa amizade?

— Não, estou dizendo que entre nós um hiato não é um incômodo, entendesse? Sinto que não importa se passo um mês, um ano sem sequer trocar uma frase, quando casar de um ou outro querer trocar uns centavos de conversa, vai ser como se o tempo não houvesse passado. Ao menos me sinto assim. Isso te incomoda?

— E eu tenho opção? Ele gargalha.

— Não é que eu vá passar um ano sem falar com você, foi só para ilustrar o pensamento. Sofro por antecipação, é mais forte que eu. Então, quando aquelas primeiras semanas acabaram para você, quando constatou que seria impossível manter a nossa relação à distância e se sentiu mal por isso, eu já tinha superado toda a coisa há muito tempo.

Porra! Por algum segundo, sentiu saudade de mim? Preciso entender o teu critério de tópico para conversação. Toda vez que recebo mensagem tua, é geralmente sobre alguma coisa que a gente gosta em comum ou algo que mencionei em alguma conversa passada. Isabella, tu sente saudade de mim?

Foi neste momento que minha cabeça deu um estalo. Quando foi a última vez que senti saudade de alguém? Penso, mas não me vem nada. Ele percebeu na hora, pelo meu semblante, que aquilo nunca havia passado pela minha cabeça.

Não precisa responder.

— Eu te amo, Tito.

Não foi isso que perguntei. Antes que você se sinta culpada, porque ao menos sei que culpa é um negócio que tu sempre sente, não perguntei isso pelo drama, foi apenas para entender como funciona a tua cabeça. E sim, eu sei que você me ama, de verdade, também sei quando você mente.

— Às vezes, se não vejo, se não percebo algo, se não me dão notícias, minha mente meio que esquece que aquilo existe. Sei que você existe. Não é que não pense em você. Lembrar você é algo que acontece enquanto estou vivendo. Então, eu sinto a sua falta quando alguma coisa me faz recordar nós dois. Não sei se fui clara.

— Tu é estranha pra caralho. Se foder, eu sinto uma saudade do caralho de tu. Me dói um pouco a gente ser tão diferente. Parece que não sou tão importante. Sei que para você eu sou, mas sempre penso em você com mais urgência, saca? É foda.

Quando nos conhecemos, ele ainda morava na casa da mãe em Recife. Ficamos juntos por dois anos e meio. Arrumou um emprego legal que pagava bem, mas precisaria inicialmente mudar para São Paulo. E assim foi. Nem sequer passou pela minha mente algum pensamento de fazê-lo ficar. Também não poderia ir, havia meu trabalho como editora e o fato de preferir um tiro no pé do que mudar para um lugar como São Paulo. Combinamos de irmos nos ajustando, vendo outras possibilidades de flexibilizar o trabalho, mas isso nunca aconteceu. Se Tito fosse meu primeiro amor, talvez tivesse ficado devastada, mas meu coração já era veterano de guerra, condecorado de outros carnavais.

Fiquei muito triste, não posso negar, mas digeri com sobriedade e não cheguei a viver um grande pesar por sua ausência. Ainda assim, desejava manter a relação por gostar demais dele. Cogitei sim, com muito desgosto, até me mudar e tentar a sorte como mais um nordestino em São Paulo. Mas ir com Tito era, além de segui-lo, sonhar seu sonho e abandonar, mesmo que por algum tempo, o meu. Antes que me decidisse e pudéssemos concretizar algo em relação ao nosso futuro, alguns meses depois de sua chegada em São Paulo, Tito me informou que não viria passar o São João em Recife e que tinha algo importante que precisava me contar. “Não queria te machucar, mas aconteceu. Estou me sentindo um pouco confuso e gostaria de um tempo para pensar”.

Em resumo: conheceu uma pessoa num happy hour e tiveram algo. Não quis entrar em detalhes e eu não me incomodei por isso. Já tinha passado por algo semelhante antes com outra pessoa. Ali terminamos o relacionamento.

Fiquei um pouco amarga, tristonha, mas não consegui chorar uma lágrima sequer. Já tinha antecipado boa parte do sofrimento nos meses em que percebi sua indecisão sobre como faríamos para manter a nossa relação “acesa”. No fundo, estávamos fadados ao término, mas nenhum de nós quis tomar a iniciativa primeiro. Apesar de estar ciente do possível rumo de nossa existência como casal, não me eximi de me sentir traída pela pessoa que era meu grande amigo.

Em parte, a distância foi a culpada por acelerar meu processo de cura, a vida correu na mesma direção, fui promovida no trabalho, mudei de apartamento e a questão traição/término parecia cada vez menos importante no turbilhão de coisas, não escrevi sequer um poema sobre. Vez ou outra trocávamos uma mensagem ou outra sobre as coisas dos dias, ainda sob o efeito automático do se fazer lembrar. Ele me pediu perdão várias vezes.

De início, ele sempre puxava uma corda, me falava do clima estranho da cidade e que tudo ficava aberto até mesmo de madrugada em dia de semana. Em São Paulo, o dia escurecia mais tarde. Certa vez mandou uma foto em que o sol se punha umas nove e pouca da noite. Às vezes eu dava notícia dos meus gatos ou de uma chuva esquisita, ou sobre um restaurante itinerante que amávamos e que dessa vez estava bem perto da minha nova casa. Tito me pediu para voltar uns meses depois disso, mas o resto é outra história.

Não ficamos juntos, mas acontece que mesmo depois desse incidente, mantivemos nossa amizade à distância numa constância minguada, mas oportuna, por quase dois anos. Logo após nossa última conversa, a pergunta “Tu sente saudade de mim?” continuou me assombrando. A imagem fantasmagórica de uma silhueta de homem surgiu sentada em uma das cadeiras de balanço da sala, me observando em um silêncio sepulcral.

Por dias ruminei a pergunta de Tito sobre saudade. Mas ela fez suscitar em mim uma lembrança que nada tinha a ver com ele, mas com meu avô paterno. Vovô faleceu de forma trágica quando eu era criança, fui uma neta apegada, pregava pegadinhas, me pendurava em suas calças para fazê-lo rir, contava sobre a escola e sempre pedia para que me levasse para passear de carro pela cidade. Fazia de conta que tinha uma câmera na mão e que dirigia um filme que era gravado na minha memória. Se quisesse fotografar algo, era só piscar um olho e pronto, momento capturado em meu álbum particular.

Ele foi o copiloto de muitas das minhas brincadeiras, se deixava levar pela criatividade e achava graça das palhaçadas que a primeira neta aprontava na casa do filho. Não tenho uma recordação sequer em que me fez sentir que não era amada. Antes de morrer, ficou acamado e só cheguei a vê-lo uma vez depois disso. Seu quarto tinha se transformado em uma UTI com enfermeiros e aparelhos estranhos que apitavam. Mas o que mais me chamou atenção foi umas luvas cheias de água que estavam espalhadas atrás das pernas de meu avô, pensei que estivessem fazendo alguma espécie de brincadeira. Muitos anos depois, soube que aquilo era para prevenir e amenizar escaras que apareciam por todo seu corpo devido ao tempo que passava deitado e imóvel.

Os meses acamado estavam deteriorando seu corpo cruelmente e a ignorância que me foi cedida, sei que foi pensando em me poupar da dor que havia na real situação que habitava aquele quarto. Minha memória de seu rosto me aparece como um borrão, um filme danificado, cuja imagem é praticamente irreconhecível.

A sua morte foi escondida de mim por muito tempo. Sempre que perguntava sobre ele, davam alguma desculpa, dizendo estar fraco e que não poderia receber visitas. Nessa época escrevi muitas e muitas cartas e às vezes meu pai me levava até a porta da casa de meus avós, onde as colocava na caixa de correios. A minha insistência em fazer uma visita deve ter aumentado a culpa pela omissão. Quando recebi a notícia de sua morte, já estava enterrado há muito tempo.

Não houve despedida, nem choro, havia o sofrimento, claro, mas o sentimento de aceitação já estava semeado no coração de todos. Não consegui assimilar que meu avô estava morto, aprisionado para sempre dentro de um caixão, selado por terra e cimento. Também não cheguei a visitar sua casa após a morte, pois minha avó já estava em processo de mudança para um apartamento próximo à nossa casa. De alguma forma, a minha cabeça de criança acreditava que ele ainda estava ali, lendo algum de seus livros ou dando voltas pelas ruas em seu corcel azul claro. Só não podia mais vê-lo porque ninguém tinha tempo de me levar até sua casa, porque estava ocupado e não podia me ver.

A mentira dos adultos sobre sua morte me tornou uma criatura desconfiada, descrente e inquieta. E que infelizmente veio em um período que convergiu com outro ainda mais estranho e trágico. Essa viagem ao passado me fez perceber que a ausência palpável daquele luto não só alterou a minha percepção de morte, mas de todo o sentimento de separação e término.

Quiçá Tito já estivesse morto nos primeiros instantes em que esteve em meus braços. Mas a distância física entre nós tenha sobrecarregado minha mente a me manter neste outro lugar familiar, onde o tempo é inerente à minha percepção dele. Onde a existência é uma corda estalando incontáveis vezes, e que, vez em quando, me vem a sensação excitante de me lançar sobre ela e pular cantarolando alguma canção. É possível sentir saudade de algo que sempre me habita a todo instante?

Isso não significa que não entenda o fim ou a morte de algo, nem que não sofra ou me sinta esmagada pela finitude humana. Temo a morte e a separação, o esfriamento das relações humanas. Apesar disso, a ausência é amenizada ao revisitar todos os que perdi numa memória tão viva que não consigo conter lágrimas ou riso onde quer que esteja. Se fecho os olhos, lembro ou crio cada um deles como se me pertencessem, mas sei que não me pertencem.

Sento no banco do passageiro com minha câmera imaginária em mãos e volto a rodar a cidade, tentando parar o tempo com a mente, decorando os cheiros, contando as batidas cardíacas de meu coração para recriar mais tarde um lugar em que me desejem e permitam pertencer.

Dias após nossa última conversa sobre a Russa, marcamos de ver um filme juntos no cinema São Luiz. O título escolhido por ele chegou a ser cômico: O que os homens falam. Eu já tinha assistindo sozinha uma semana antes. Amo Darín e é obrigatório me locomover sempre que lança algo novo com ele. Mas não falei nada, queria aproveitar o tempo que restava para ficar perto de Tito e ver suas reações no escuro do cinema.

Após o filme, compramos um sorvete, ele segurou minha mão, andamos devagar em direção à Aurora, como antigamente. Sentamos na beira do rio observando as pessoas que passavam e inventando histórias sobre os que um dia moraram naqueles casarões altos abandonados, caindo aos pedaços.

— Um dia moramos aqui. Casamos jovens, a casa era de herança de uma avó minha. Éramos felizes, eu era datilógrafa e você professor de matemática. Anos mais tarde, certa mulher bateu em minha porta e descobri que você teve uma criança fora do casamento. Ele era parecido contigo, com os caninos pontiagudos, com as sobrancelhas um pouco ralas e o sorriso arteiro e doce. Assim que soube da visita inesperada, caiu em prantos e se ajoelhou, dizendo que já não havia mais nada entre vocês. E, ao contrário do que esperou, te abracei e te amei ainda mais, assim como amei aquela criança. Meu sonho sempre foi um dia ser mãe de ao menos um filho teu.

Você continuou me amando mesmo tendo feito algo imperdoável?

— Eu amava o meu sonho e o sonho que ele viria sonhar.

— Você continua sendo estranha.

A conversa com Tito me levou à cama de sua antiga casa, agora preenchida pela ausência de sua mãe. Tiramos a roupa com o desespero das despedidas. Me deitou, abriu minhas pernas e começou a me lamber e me tocar devagar. Enquanto gemia de prazer, virei o rosto para o lado, notei na parede uma marca de pé sujo de minha autoria de anos atrás e dei uma gargalhada sem querer.

— Estou fazendo cócegas em você? Está engraçado? Ele falou em tom brincalhão.

Mas antes que pudesse explicar algo, Tito levantou minhas pernas, encaixou meus pés em seus ombros, me penetrou e me comeu, olhando em meus olhos, lacrimejando, às vezes de boca aberta, como se quase quisesse dizer algo. Gemi e lambi seus lábios, e ele os mordeu em troca. Apoiei os braços em seu pescoço suado e gozei em seu ouvido, enquanto ele sentia os espasmos do meu quadril. Depois disso, saiu de dentro de mim, me colocou de quatro em frente ao espelho do guarda-roupa que ficava rente à cama.

Apoiou minhas pernas ainda trêmulas com uma das mãos e segurou meu rosto para que eu pudesse olhar meu semblante enquanto ele me fodia sem piedade na penumbra do quarto em que fizemos amor inúmeras vezes anos atrás. “Te amo, eu amo te deixar assim com essa cara obscena, quero gozar em você inteira, quero meter na tua boca”. Me deitou novamente, se enfiou entre meus seios enquanto eu lambia a ponta do seu pau. Ele gozou rápido na minha cara. Tomamos uma ducha rápida no banheiro, saímos nus, me puxou pela mão, deitamos e pegamos no sono enquanto alguma vizinha escutava pelo rádio a hora da Avé-Maria.

Nessa mesma noite, tive um sonho em que Tito era meu filho e que lhe dizia que nunca desejei que tivesse nascido. Ele corria atrás de mim com os olhos vermelhos e encharcados de lágrimas de ódio. Acordei quase uma hora depois, suada e gelada, ele ainda dormia feito uma criança. Tomei outro banho, ainda pensando na imagem do pequeno Tito pedindo colo. Coloquei a roupa e vi na sacada da janela da sala um Marlboro light. Não achei isqueiro, então acendi na boca do fogão, dei uma tragada longa e espantei a fumaça como se pudesse fazer o mesmo com o pensamento. O telefone de Tito vibrava em cima da bancada, “Dominika” chamou duas vezes. Em seguida, surgiu uma notificação em inglês, “I’ll be waiting for you there, call me…”. Talvez fosse a Russa.

A verdade é que nunca amei a Tito, não como se ama verdadeiramente alguém. Tito foi a Réstia que conseguiu atravessar a porta que tranquei depois que o Homem que me destroçou finalmente partiu. Ele soube que meu amor por ele era como a luz capaz de provar a existência de uma estrela já morta. Nesse sentido, quem sabe Tito nem tivesse nascido para mim. Me pergunto se nos fosse permitido mais tempo juntos, se conseguiria presenciar sua explosão esmagadora.

Amá-lo era aceitar que a sua ausência não poderia me ferir, nem me despedaçar, não por não desejá-lo verdadeiramente, mas por sentir que, apesar de ansiar sua presença e seu amor, eu não existia ali ou em lugar algum. Enquanto olhava a tela do celular e pensava em todas essas coisas, percebi que Tito me observava atento no canto da sala.

— Você voltou a fumar?

— O pior dos vícios é a saudade de uma mentira.

Sorri e, brincando, apontei para o celular na bancada. Ele sorriu, mas parecia triste e velho.

— Volto ainda essa semana. Nada certo. Ela respondeu àquela mensagem, sabe? Disse que queria me ver e eu pensei, “por que não?”. Ainda tenho uns dias de férias, uma grana sobrando. Quero viver um grande amor, Bella, agir de forma irresponsável enquanto ainda posso. Quis ter ouvido você ter me pedido para ficar em algum momento da vida. Queria ter ouvido você gritar de raiva e ódio por ter te traído. Queria que tivesse me fuzilado com o olhar quando pedi para voltar e que nunca mais falasse comigo. Mas sempre volto aqui, de uma forma ou de outra, como se esperasse, só Deus sabe o que. Se essa fosse a última vez que nos falamos, sem hiatos futuros, só o agora, este instante e nada mais. Tu sentiria saudade de mim?

— Enquanto eu existir, Tito.

Olá, feliz 2024 para quem aparecer por aqui. Esse texto saiu como uma brincadeira. Nada polido, do jeito usual. Só senti vontade de trocar uns centavos de conversa com a tela em branco. Os dias começaram a latejar forte no meu coração e tenho me sentido tão viva que, vez ou outra, pareço me acovardar em aceitar a felicidade.

Se você chegou aqui por acaso ou me acompanha nesse longo tempo no Medium, meu “muito obrigada” sincero. Escrever é a única coisa que não muda em mim, então posso me sentar em meu porto e assistir à vida modificar todas as certezas e incertezas como um jogo da memória sem fim. Ganha quem permanecer até girar a última peça.

Abraço.

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Written by celina

Escritora, nordestina, roteirista e fotógrafa. Editora da Fale Com Elas no Medium. Stories in Portuguese and English.

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